Sem assessoria jurídica, prefeituras de SP violam Constituição na hora de contratar
Foto: Ranking da Inconstitucionalidade / Anuário da Justiça 2016
As prefeituras dos municípios paulistas contratam mal porque não têm assessoria jurídica, e não têm assessoria jurídica porque contratam mal. Essa é a conclusão a que se chega após se verificarem os resultados do levantamento sobre as 685 ações diretas de inconstitucionalidade julgadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2015. Do total de ações analisadas, cerca de 1/3 (188) diz respeito a leis ou falta de leis que autorizam a contratação de servidores públicos sem concurso. E, desse subtotal, 31 referem-se à contratação de assessor jurídico para prefeitura sem concurso público.
A regra constitucional é clara: cargos comissionados ou seja, cargos públicos que dispensam o preenchimento por concurso público só podem ser assumidos por quem ocupará cargo de confiança ou de chefia. O que não é o caso de assessor jurídico, que vem a ser um cargo técnico para quem tem a função de representar judicialmente o município ou assessorar juridicamente as autoridades municipais.
O levantamento feito pelo Anuário da Justiça levou em consideração 685 ações diretas de inconstitucionalidade julgadas pelo Órgão Especial entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2015. Do total de ações analisadas, 534 foram consideradas procedentes. Ou seja, 78% das decisões proferidas pelo tribunal foram no sentido de declarar que as leis questionadas violam a Constituição Federal ou a Constituição do estado de São Paulo. Apenas 76 (11%) ações foram julgadas improcedentes, ou seja, as leis não continham vício. Outras 75 (11%) foram extintas, geralmente por perda de objeto, quando as leis questionadas foram revogadas pela Câmara Municipal de origem antes de serem analisadas pelo tribunal. O que não deixa de ser uma saída honrosa.
O ranking de inconstitucionalidade, desta vez, foi amplamente liderado por Ourinhos, cidade de 100 mil habitantes a 375 quilômetros da capital. A campeã teve 51 ações de inconstitucionalidade julgadas pelo tribunal, das quais 46 foram consideradas procedentes. A segunda colocada, Sorocaba, ficou distante, com 25 ações procedentes. Foi seguida por Ribeirão Preto (16 ações procedentes), Mirassol e São José do Rio Preto (15 ações cada uma). Dos 645 municípios paulistas, 251 (39%) responderam a ações que contestavam a constitucionalidade de alguma lei municipal. Enquanto 133 municípios tiveram apenas uma ação considerada procedente, para outros 35 elas foram consideradas improcedentes. Ou seja, suas leis estavam corretas do ponto de vista da Constituição Federal e da Constituição do estado.
No caso das campeãs de inconstitucionalidade, quase sempre o que está em contradição com a Constituição não é o conteúdo ou o mérito das leis contestadas, mas a forma como elas tramitaram e foram aprovadas. Na maioria dos casos, o erro está na origem da norma. Em 167 das ADIs em que leis foram consideradas inconstitucionais o motivo é o vício de iniciativa. São normas que tratam de matéria que diz respeito à organização e à administração da prefeitura, de competência exclusiva do prefeito, mas que foram propostas por vereadores. Nesses casos, quem questiona a lei não é o procurador-geral, mas o próprio prefeito, que se insurge contra a invasão de poder intentada pela câmara de vereadores.
O caso de Ourinhos é exemplar, como deixa claro a ementa do desembargador Luiz Antônio de Godoy ao decidir sobre a Lei 6.179, que instituiu o Dia Municipal do Trânsito Consciente: “Lei de iniciativa parlamentar que não se limitou à mera criação de data comemorativa. Invasão da esfera de competência do Poder Executivo, tendo sido criado verdadeiro programa de governo, atribuindo-se obrigações específicas aos órgãos públicos locais. Matéria típica da gestão administrativa. Violação do princípio da separação de poderes. Aumento de despesas públicas sem indicação específica dos recursos disponíveis para atender aos novos encargos. Afronta aos artigos 5º, 25, caput, 47, II e XIV, e 144, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade reconhecida”.
Nove das leis aprovadas pela Câmara de Ourinhos e derrubadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo criaram programas para serem executados pela prefeitura, tais como o Rua da Criança e do Lazer, o Recomeçar a Viver (de assistência a doentes de câncer), o Cidade Mais Limpa e o Aluno Consciente. Há leis para que a prefeitura incentive o cultivo de citronela, determine que as concessionárias de carro plantem árvores e que obrigam as lojas da cidade a dar troco integral e em dinheiro aos clientes. A lei que proíbe experiências de laboratório com animais para produção de cosméticos, no entanto, foi revogada por tratar como matéria de interesse local uma questão que é de interesse geral.
Até dar nome de ruas e prédios públicos foge da competência de vereadores, como diz a ementa que decidiu pela inconstitucionalidade de três leis de iniciativa de vereadores de Sorocaba que davam nomes a ruas e escola: “Leis de iniciativa parlamentar, que atribuem nome a logradouros e escola do município de Sorocaba. Atribuição de nomes aos bens, prédios, logradouros e vias que é ato de organização de sinalização municipal, de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo”.
O desrespeito à divisão de poderes, a criação de despesas para a prefeitura sem indicação de fonte de recursos, a interferência dos vereadores na organização dos serviços públicos e no planejamento urbano: todas essas atitudes que caracterizam o vício de iniciativa estão presentes nas ações contra as leis dos municípios que encabe- çam o ranking de inconstitucionalidade do Anuário da Justiça. E sinalizam também um claro conflito entre o Poder Legislativo e o Executivo desses municípios.
Tirando-se esse grupo de ações que pecam pelo vício de iniciativa e o de contratação irregular de servidores, o que mais se encontra são leis que criam vantagens para funcionários públicos ou benefícios para a população.
Fonte: Revista Consultor Jurídico / Texto publicado originalmente no Anuário da Justiça São Paulo 2016.
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